O uso nocivo da tecnologia e sistemas como o do caso da “ilha de
papel”, noticiado pelo Eg. TRT da 3ª Região, impõem a atenção dos
operadores do direito do trabalho para novas formas de assédio moral. O
assédio por meios eletrônicos e o teleassédio moral.
As mudanças
nas relações de trabalho, especialmente com o advento de meios
eletrônicos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio, trouxe
novos desafios ao direito do trabalho. Dentre eles, a necessidade de
identificar e combater práticas ilícitas, manifestadas pelo uso nocivo
da tecnologia.
Nessa ótica, Ivani Contini Bramante[1] adverte:
“... O controle e fiscalização no teletrabalho pode abarcar não só a realização das tarefas ou produtividade, mas também a imagem e a conduta do trabalho, e até mesmo os intervalos destinados para 'respirar'. Logo, mediante os meios da tecnoinformática o comando, controle e supervisão do trabalho podem ser muito mais penetrantes e invasivo da privacidade, porque total e em tempo real (24 horas por dia)”.
Diante
dessa realidade, o trabalhador ou teletrabalhador, ao mesmo tempo em
que dispõe de ferramentas informatizadas para auxiliar no bom desempenho
do trabalho, torna-se mais vulnerável aos abusos praticados por esses
meios, especialmente o assédio moral por meios eletrônicos ou o
teleassédio moral – assédio moral praticado na seara do teletrabalho.
O
assédio moral é conceituado por Mariana Schatzman et all, como um
processo sistemático de hostilização, direcionado a um indivíduo ou a um
grupo, que dificilmente consegue se defender dessa situação. As autoras
destacam que o efeito ou resultado desse processo é a produção de algum
prejuízo para o ofendido, que varia desde a criação de um ambiente
hostil, capaz de trazer desconforto físico e emocional, até o
adoecimento e a exclusão do grupo[2]. A doutrina cita que o efeito mais
grave passível de ser produzido pelo assédio moral é o suicídio da
vítima.
A doutrina não é uníssona quanto ao tempo necessário para
que um processo de hostilidade configure assédio moral. No Brasil, a
jurisprudência costuma analisar os casos concretos e, por meio de um
juízo lógico-racional, concluir se a repetição ou variação de
hostilidades em certa frequência temporal, representou ou não assédio
moral.
No âmbito do teletrabalho, o princípio tutelar incide para
coibir a prática do teleassédio moral, desafiando o operador do direito
a identificar essa prática em meio a relações juslaborais em constante
mutação e cada vez mais desafiadores das amarras de espaço e tempo.
É
possível, todavia, que o assédio moral seja produzido de modo
impessoal, seja por mensagens eletrônicas degradantes da autoestima do
empregado, cobranças abusivas de metas ou expedientes outros que
dispensam a presença física do agressor no ambiente de trabalho da
vítima.
Um dos exemplos mais atuais é o caso da chamada “ilha sem
papel”, noticiado em 26/11/2012 no sítio do Egrégio Tribunal Regional
do Trabalho da 3ª Região, com as seguintes informações[3]:
“Trata-se de programa de computador, criado pela empresa de comunicações reclamada para possibilitar o controle diário da produtividade e cumprimento de metas de cada empregado, por parte do supervisor. Ao longo do dia, os trabalhadores vão recebendo mensagens, na tela de seus computadores. Caso as metas estejam sendo cumpridas, recebem elogios. Caso contrário, em vez de expressões de louvor, os empregados recebem ofensas, sendo chamados de 'perdedores da ilha', 'burros' e 'incompetentes' ".
No precedente acima, aquela Corte, por unanimidade, procedeu a condenação por assédio moral.
Em
reportagem jornalística[4] sobre assédio moral, a assistente comercial
M. B. S. Narrou a ocorrência de rastreamento diário em seu computador e
tentativa de monitoramento de ligações particulares.
Casos como
os acima discutidos, tornam evidente a necessidade de se repensar a
proteção ambiental do trabalho, especialmente quanto à prevenção a
práticas de assédio moral, manifestadas por meio eletrônico. Demonstram,
outrossim, que o teleassédio moral se manifesta por diversos modos e
exige do operador do direito o desafio de buscar que o aperfeiçoamento
tecnológico nas relações de trabalho se dê sem prejuízo do
teletrabalhador, pois somente assim será possível compatibilizar o
crescimento econômico com o social, equilibrando livre iniciativa com
valorização do trabalho humano (arts. 1º, IV, 170 e 193, CRFB).
Uma
importante questão desse tema diz respeito ao teleassédio moral
organizacional, envolvendo ofensa a direito difuso dos
teletrabalhadores. Nesse prisma, Adriane Reis de Araújo conceitua o
assédio moral organizacional como:
“... A prática sistemática, reiterada e freqüente de variadas condutas abusivas, sutis ou explícitas contra uma ou mais vítimas, dentro do ambiente de trabalho, que, por meio do constrangimento e humilhação, visa controlar da subjetividade dos trabalhadores. O controle da subjetividade abrange desde a anuência a regras implícitas ou explícitas da organização, como o cumprimento de metas, tempo de uso do banheiro, método de trabalho, até a ocultação de medidas ilícitas, como sonegação de direitos (registro em Carteira de Trabalho, horas extras, estabilidade no emprego) ou o uso da corrupção e poluição pela empresa. Essa prática resulta na ofensa aos direitos fundamentais dos trabalhadores, podendo inclusive resultar em danos morais, físicos e psíquicos[5]”.
O
assédio moral organizacional é comumente referido como assédio moral
estratégico, pois representa uma das formas da empresa privilegiar o
lucro, em detrimento do respeito à dignidade dos trabalhadores. Com a
prática do assédio moral estratégico, força-se demissões de
trabalhadores que a empresa considera “improdutivos”, estimula-se a alta
rotatividade de mão de obra e desvaloriza-se o valor social do
trabalho.
São comuns no trabalho usual, práticas como o
oferecimento de prêmios pejorativos (ex: troféu tartaruga), a submissão
de trabalhadores a corredores poloneses, a paga de prendas depreciativas
(como fantasiar-se de pessoa do sexo oposto), etc. Tudo com a
finalidade de estimular que o trabalhador produza o máximo para a
empresa, a fim de “livrar-se” do vexame mensal. Ao mesmo tempo, empresas
de grande porte foram condenada pelo Colendo Tribunal Superior do
Trabalho por oferecerem supostos estímulos de questionável validade
moral, como o vale garota de programa para os vendedores mais
produtivos.
Com a repetição de condutas ilícitas como as supra
narradas, os trabalhadores não adaptados ao sistema são facilmente
excluídos, ainda que à custa da sua autoestima.
No caso do
teletrabalho ou no exemplo do programa “ilha sem papel”, pode haver a
submissão não de um trabalhador, mas de todos eles ou de uma determinada
equipe, ao constrangimento eletrônico, cuja repetição é evidentemente
nociva à dignidade, causando assédio moral, mediante repetição abusiva.
Isso pode se operar por sistema de computador, mensagens SMS,
rastreamento ilícito de computadores, emails, etc, no caso, dirigida de
modo padronizado a uma coletividade de vítimas.
Nota-se que o
teleassédio moral é tema relevante e que não pode ser ignorado pelo
operador do direito, sob pena de não adaptar a realidade ao seu tempo.
Atualmente, programas como o second life ou similares, permitem que
empresas desenvolvam negócios apenas em meios virtuais, por meio de
funcionários que trabalham de suas casas e são representados por simples
avatares. Surge um ambiente propicio para que se pratique o assédio não
contra a pessoa diretamente, mas por meio do avatar que ela representa,
desafiando novamente a jurisprudência a enfrentar a questão da
identificação sobre o que é ou não assédio moral eletrônico ou
teleassédio moral.
A prova nos casos de teleassédio moral poderá
ser simples, como por exemplo, a impressão de cópias de emails, etc, ou
complexa, demandando até mesmo perícia em computadores patronais a
depender do caso. Algumas vezes, as mensagens podem ser recebidas de
modo insuscetível de gravação em mídias eletrônicas.
Descortina-se
com o assédio moral por meios eletrônicos, a existência do teleassédio
moral. O crescimento tecnológico trouxe uma seara fértil para a prática
de abusos e deve ser objeto de crescentes estudos. O presente artigo
pretendeu apresentar os sinais de reconhecimento jurisprudencial dessas
manifestações, a fim de estimular o combate desses ilícitos pelo
operador do direito ambiental do trabalho.
Propugna-se que o
combate a essas práticas seja reiterado, a fim de que o crescimento das
relações laborais na era da informação seja sustentável (arts. 225 c/c 200, VIII, CRFB) e com respeito aos direitos sociais, pois somente assim compatibilizar-se-á trabalho e livre iniciativa.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Adriane Reis. Assédio Moral Organizacional. Revista do TST, vol.73, nª2, Brasília, 2007.BRAMANTE, Ivano Contini. Teletrabalho – Teledireção, Telessubordinação e Teledisposição. Revista LTR, vol.76, nº 04, Abril de 2012.
GOSDAL, Thereza Cristina e SOBOLL, Lis Andrea Pereira. Assédio Moral Interpessoal e Organizacional. LTR, 2009, p.17
Sítio do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (www.trt3.jus.br).
Sítio do Tribunal Superior do Trabalho (www.tst.jus.br)
Sítio jornalístico D24AM - Amazonas (http://www.d24am.com/noticias/amazonas/amazonas-ja-registrou-40-denuncias-de-assedio-moral-no-trab
Notas
[1]BRAMANTE, Ivano Contini In Teletrabalho – Teledireção, Telessubordinação e Teledisposição. Revista LTR, vol.76, nº 04, Abril de 2012.[2]SCHATZMAM et all in Aspectos Definidores do Assédio Moral. Artigo na obra Assédio Moral Interpessoal e Organizacional. Organizadores Thereza Cristina Gosdal e Lis Andrea Pereira Soboll. LTR, 2009, p.17.
[3]Disponível em, acesso em 10/12/2012.
[4]Disponível em, acesso em 10/12/2012.
[5]ARAÚJO, Adriane Reis in Assédio Moral Organizacional. Revista do TST, vol.73, nª2, Brasília, 2007 p.213-214.
Autor: Jobel Amorim das Virgens Filho - Advogado em Natal/RN. Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar (UNP/RN). Especialista lato senso em Direito Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB/MS).
Fonte: http://jus.com.br/imprimir/23225/assedio-moral-eletronicoeteleassedio-moral-um-novo-desafio-para-o...
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